O mundo não é plano, a Terra não é redonda nem azul. A nossa vida também não.

por Eduardo Cupaiolo

Aprendi nas aulas de Geografia que a Terra não é redonda como, de forma simplificada, acreditamos que seja. Ela é geóide. Em formato de Terra. Ou seja, a Terra tem o formato que só a Terra tem. Único. Exclusivo. Com seus picos e seus vales. Suas áreas azuis, mas também as escuras. As bem poucas de clima agradável e as muitas de calor e frio insuportáveis. Quando muito, 12 horas de luz. E 12 de escuridão.

Shoe over banana peel

Assim é nossa vida. Com altos e baixos. Luzes e trevas. Nem redonda, nem plana, muito menos linear.

Se nem escolhemos onde, nem de quem, nem quando nascemos, fatores tão determinantes de nossas estórias, o que nos faz crer que o que viria e virá depois  estaria e estará menos fora de nosso controle?

Conheci minha esposa, depois de um ano, trabalhando no mesmo prédio. Ela no 6o. andar. Eu no 5o. Na mesma empresa! Casamos em 11 meses. Ela engravidou em 6. Nossa filha se chamaria Rebeca. Nasceu primeiro o Gabriel. Pela Rebeca esperamos mais 4 anos. Fugiu de longe de nossos planos. Mesmo assim, como poderia deixar de amá-los profundamente, cada um no seu tempo, cada um do seu jeito, idade, temperamento.

Como antever com quem nos casaremos e por quanto tempo permaneceremos casados? Onde vamos trabalhar? Quando seremos demitidos, promovidos? Quando virá a doença? E de volta a saúde?

Alguns dirão que a coisa não é assim tão fora de nosso controle. Fazer as coisas certas trará sempre bons resultados. As erradas, os maus. Concordo. Mas só parcialmente.

Como aprendi com meu pai, se fizermos tudo certo, ainda assim algo pode dar errado. Se fizermos tudo errado, raramente dará certo. Mas dá. Dá errado. Dá certo.

Nem sempre o melhor time vence a Copa. O juiz anula o gol válido e valida o de mão. Nem sempre o melhor corredor ganha a medalha. O padre escocês atrapalha. Mas nem assim ele desiste. Chega em terceiro. E comemora.

De meu pai é também outra lição. Há filho de malandro que dá para gente de bem, filho de gente de bem que dá para malandro. Ou como disse Helen Keller, não há rei que não descenda de um escravo e não há escravo que não descenda de um rei.

Picos e vales. Alegrias e tristezas. Sempre uma novidade. O email chega. A carta chega. O telefone toca. E tudo, tudo pode mudar.

Você chega em casa. As suas malas estão esperando por você na porta. Ela cansou de pedir para você dedicar mais tempo para sua família. Ela resolveu dedicar mais tempo para ela e para seus filhos. E você ficou de fora dos novos planos dela.

Você poupou. Ajuntou. Planejou seu pecúlio. Sua aposentadoria antecipada. Tranqüilidade para o resto da vida. Verdade. Conseguiu. Mas o resto da vida dura só 6 meses. Você gastou a saúde para comprar sucesso. Pecúlio. Dinheiro para o resto da vida. 6 meses. 60 meses. 6 anos.

E a polpuda poupança talvez fique para um cunhado, para um sobrinho que nunca te ligou no dia do seu aniversário, ou para um filho que só vai aprender como se ganha dinheiro fácil e jamais a poupar.

Há quem se fie em estatísticas e probabilidades. Entendo muito pouco delas. Mas há algo nelas que compreendo menos ainda. Dizem que só cai um avião em cada 1 milhão de vôos. Legal. Mas caí. E quando estamos nele, ou nosso amigo, nosso conhecido, nosso ente querido. Caímos com ele. Aí não é mais probabilidade, é fato. Não é mais 1 em 1 milhão. É 100% que se foi. Como declarou Fernando Sabino ao perder seu amigo Hélio Pellegrino “com ele morreu o melhor de mim”.

Qual a probabilidade de uma senhora de 80 anos ser atropelada quando por 80 anos ela nunca foi? Mas é. Para ela pouco vai importar as estatísticas. Não será a chance de 1 em 1 milhão. Simplesmente terá sido.

Uma manhã lanchava num shopping em Santiago do Chile. Na verdade, tomava apenas um suco de laranja para fazer hora esperando a chegada de minha esposa. De repente, pum. Algo explode em uma lixeira a pouco mais de 5 metros de mim. Nenhum estilhaço, só um grande susto.

A mente corre e me lembro que seja talvez fruto de incidentes recentes com a prisão de suspeitos de atentados a bombas de 14 meses atrás. Que pode não ter sido apenas a brincadeira estúpida de quem pensa não haver nada de melhor para fazer na vida.

Mais um explosão. Agora no andar de baixo. Tento manter a calma, mas o instinto de sobrevivência manda racionalizar menos e raciocinar mais. Não é hora de avaliar a potência dos artefatos, é hora de cair fora dali. Pouco antes de cruzar a porta do shopping ouço mais uma explosão, agora numa lata de lixo na calçada.

Três explosões. A vida é assim. Três explosões. A viagem de lazer, podia se transformar em tragédia. A alegria em pranto.

Mas há saída.  Mas só uma. É não acreditar em nossos planos infalíveis. Não deixar para depois. Para um dia. Para aquele dia.

A saída é pedir o perdão que ainda não pedimos, é comer o quindim que olhou para nós sem medo das suas 500 calorias, é deixar o trabalho mais cedo para pegar nosso filho na escola, é beijar a esposa sempre como se sempre fosse a primeira e a única vez.

É não programar cada passo da vida antes de dá-lo, mas sentir cada passo que se dá quando se der cada passo. É lembrar menos do passado, depositar menos esperança no futuro e viver mais o presente nos presentes que o presente nos traz.

É desligar o celular enquanto seu melhor amigo está na sua frente. É desligar a televisão na hora do jantar. É saborear a pizza do sábado, o pastel da quinta e o café da manhã a cada nova manhã.

É acreditar menos na infalibilidade dos nossos planos, nos gráficos, nas planilhas e encarar o fato, meu querido amigo, que a nossa vida não é nem redondinha, nem plana, mas que se a gente prestar um pouco mais de atenção ela pode, muito bem, ficar um pouco mais azul.

Eduardo Cupaiolo é Diretor e Consultor da PeopleSide.