Inclusão digital é coisa do passado. Foi o que aprendi com meu sobrinho de 2 anos de idade.

por Eduardo Cupaiolo 

Em 1981 eu tinha 18 anos e incentivado pela experiência de uma amiga que tinha feito um curso de computação na Data Byte, onde diziam que o meu futuro estaria programado me inscrevi num curso de Lógica de Programação na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado. O primeiro de uma longa série que teria de fazer para em 18 meses me tornar um Programador.

Curiosamente durante as 6 semanas que durou aquele primeiro módulo nem sequer vi um computador, o que dizer de usar um. Mas ainda assim aprendi muito. Principalmente a desenvolver a capacidade de pensar de forma estruturada, lógica.

Só vim a mexer mesmo em um computador, muitos anos depois, no final de 1984 quando fui trabalhar na Meridiana, empresa hoje conhecida como Natura Cosméticos. O cargo era Programador Data-Entry um título pomposo para a função de digitar em um micro-computador Polymax com disquetes de 8 polegadas e apenas meio megabyte de capacidade de armazenamento, dados que eram antes planilhados cuidadosamente à mão. Cada caractere em um quadrinho.

Naquela época, meados dos anos 80’s, ter acesso a um computador de verdade no Brasil era coisa para poucos. No máximo o que alguns poucos podiam ser era usuário de terminais compartilhados com outros tantos usuários dos mainframes nas multinacionais e nos órgãos de governo.

Mas mexer mesmo, tocar, programar, criar algo novo em um computador, só quem podia era uns poucos técnicos como eu e meus colegas de CPD: a casa de vidro gelada, de piso elevado onde, por assim, dizer morava A Coisa. E onde felizmente, a Lei Anti-fumo já tinha sido promulgada, pois as micro partículas da fumaça de um cigarro podia destruir o hard disk  de apenas um punhado de megabytes de espaço disponível mas que custava uns bons milhares de dólares.

Depois de passar 6 meses mecanicamente digitando planilhas ao mesmo tempo que tentava aprender a lidar com aquelas máquinas caríssimas, (agora já um LABO 8032) sem gerar um prejuízo de dezenas de anos do meu salário, recebi enfim a oportunidade de fazer um curso de Programação. Foi só aí enfim, que passei a ter não apenas autorização mas o poder de fazer A Máquina fazer o que eu queria que ela fizesse. Quase sempre, é importante dizer, basta ver a quantidade de vezes que até hoje o teu micro trava e você perde tudo.

Fazendo umas contas rápidas, naquela época quando o Brasil tinha uma população de uns 120 milhões e eu já mais de 20 anos de idade, eu era um dos poucos capazes de produzir algo tão simples como uma simples listagem como a relação de vendas de um período específico de um produto específico e ainda fazer cálculos sofisticados como médias mensais.

Ridículo falar disto hoje, não?

Sim, foi o que notei ao ver meu sobrinho de 2 anos e meio pegando o celular do pai, colocar na posição certa para acessar o botão de menu, deslizar o dedo para desbloquear o acesso, achar o joguinho dele no meio de dezenas de ícones diferentes e começar a jogar enquanto a gente fingia que conversava mas na verdade estava babando na arte do moleque.

Se em 1985 eu tentava heroicamente produzir sistemas amigáveis ao usuário, e a indústria de software lançava os primeiros aplicativos de apoio à decisão (agradeçamos todos a Carlos Alberto Sacco, que nos trouxe o até hoje ainda admirável, Lotus 1-2-3), que permitissem aos simples mortais criarem suas próprias soluções de negócio sem a necessidade de pedir ajuda aos especialistas do CPF, agora, já há mais de uma década, as interfaces “I” da Apple e seus congêneres romperam definitivamente qualquer barreira entre computadores e usuários.

Parafraseando o jornalista Marcelo Tas, ao falar sobre a televisão, o computador é agora apenas mais um dos muitos eletrodomésticos, e como uma batedeira, não causam medo a mais ninguém.

Ninguém mais precisa estudar técnicas de processamento de dados como eu há 30 anos, nem vai ter de escrever uma linha de código (não vai nem sequer precisar saber o que é uma linha de código) para conseguir usar e abusar dos mais inacreditáveis recursos de computação. Que também já há muito também deixaram de ser de computação, que remonta a ideia simples de apenas contar, quando hoje o importante nem é mais o quanto mas o por quê e o prá quê.


E tudo começou e acabou na ponta dos dedos.

Vale lembrar que a palavra digital, tem como raiz, digitus, dedo em latim. E foram certamente os dedos o primeiro dispositivo utilizado para contar.

Da mesma forma com que meu sobrinho utiliza seus dedinhos para dizer quantos anos ele têm, nossos primeiros ancestrais homo sapiens usaram seus dedos – recurso mais à mão, impossível –, para informar de forma silenciosa a seus companheiros de caça ao javali selvagem quantos deles estavam escondidos numa moita ali perto.

Da mesma forma com que hoje, milhões de brasileiros acessam os seus dados bancários e extraem dinheiro em milhares de caixas automáticos espalhados por todo território nacional, incluindo especialmente os milhões de brasileiros mais carentes beneficiários do Bolsa Família que já aprenderam como digitar em terminais bancários suas senhas de acesso e escolher suas opções em menus de telas sensíveis ao toque (dos dedos).

Da mesma forma com que as milhares de lan houses espalhadas em comunidades de baixa renda permitem que milhões de jovens tenham acesso a tecnologias tão sofisticadas de computação quanto as embutidas em vídeos games que há 30 anos só estariam, quando muito, disponíveis na NASA e assim como lhes dá acesso ao que bem entenderem, a se comunicarem com que quiserem, ao vivo e em cores, a qualquer hora e em qualquer lugar.

Há, portanto, assim me parece, faltar consistência nos discursos sobre “exclusão digital” em que colocar computadores na escola é a solução, ou como os mais radicais pregam, nem isto basta, e que incluir e alfabetizar alguém em tecnologia é oferecer a cada aluno um laptop de baixo custo ou tablet.

Consideremos a quantidade de pontos de acesso que qualquer jovem tem à internet e veremos que o problema nem de longe é este. Recentemente descendo o elevador de meu prédio cruzei com o empacotador do supermercado do bairro que trazendo um carrinho de compras recém entregue a um dos meus vizinhos, entre um andar e outro sacou do bolso um smartphone de última geração.

Sem discutir a questão se aquele jovem devia ou não ter gasto pelo menos 3 ou 4 vezes o seu salário para ter um celular como aquele, o fato comprova que não faltam meios de acesso à informação nem capacidade de usá-la. Não em um país com mais linhas celulares do que o número de habitantes e onde se vende o equivalente a 10% da população em computadores pessoais por ano. Muitos deles mais baratos que o celular daquele rapaz.

A questão não é mais de capacidade técnica para usar nem da facilidade de acesso a um computador, mas sim de acesso a o quê e acesso para quê?

Jamais ouvi, por exemplo, mesmo sendo escritor e portanto uma das partes interessadas no assunto, uma discussão ampla e acalorada sobre os direitos autorais de obras literárias pelo excesso de downloads de cópias ilegais. Ouvimos, no entanto, e há anos, sobre os prejuízos e o risco da indústria fonográfica desaparecer frente à concorrência desleal dos sistemas de distribuição gratuita de músicas na rede.

Assim como também sabemos que os sites que recebem mais acessos e os downloads que mais se fazem têm muito mais relação com diversão pura e simples do que com sólida cultura. Que os termos mais buscados no Google e os assuntos de maior interesse têm muito mais relação com lazer, entretenimento e simples passatempo: assistir o capitulo mais novo da série americana favorita, os resultados da rodada do campeonato de futebol, as notícias de hoje, as fofocas mais recentes, o meme do dia ou um clipe da moda.

Em resumo, em grande parte, o acesso à rede é ao conteúdo de valor momentâneo, que amanhã será apenas entulho digital, apenas uma referência histórica para quem se interessar em saber qual jogador de futebol namorava qual atriz numa determinada época ou qual a taxa de câmbio há 3 meses ou há 3 anos. Enfim, dados de museu.

Mas que acesso a museu mesmo, literatura mesmo, música mesmo não, só àquelas cujo maior efeito é fazer vibrar a caixa craneana do ouvinte e o carro do motorista vizinho.  Cultura mesmo, história mesmo, busca por erudição, não.

Não é isto que mais interessa ao usuário da rede. E com certeza, não um texto como este de 2000 palavras. A preferência da maioria é por textos curtos ou ainda melhor, só frases, e de preferência com não mais de 140 caracteres, ou só vídeos, ou ainda melhor, só fotos. Nada de textos. Só fotos. Que o outro intua o que você quis “dizer” com ela.

Na busca pelo supérfluo e superficial, são o Twitter, Facebook e agora o Instagram as grandes fontes de conteúdo. Um lugar onde se possa em poucos toques saber por onde andaram neste final de semana os ex-namorados ou para compartilhar, não o que nossa capacidade mental permite produzir de novo, mas algo que já se encontrou pronto e com apenas um clique se curte e se compartilha de volta na própria rede social.

Incluir digitalmente é coisa do passado. Incluídos já estamos todos. A pergunta é incluir onde e incluir para quê.

O que faltam às salas de aula não são computadores nem tablets,  são professores. Vocacionados, cultos, preparados e apaixonados pelo que fazem. Se Dostoyevsky e outros tantos nobres escritores conseguiram produzir suas obras a bico de pena e a luz de velas, não é o dispositivo que fará a diferença nem incluirá ou excluirá ninguém da Era da Informação.

Quem quer aprender já tem diante de si, ao alcance dos dedos, o acervo completo da cultura universal. Pode ler e pode admirar as obras dos grandes mestres da literatura e da pintura, pode se enriquecer com os milhares de artigos, ensaios, estudos e palestras (já legendadas, se o problema for o idioma) dos mais renomados pensadores deste e de todos os séculos.

Pode viajar virtualmente mas com uma impressionante realidade por qualquer ponto de interesse dessa nossa 3a. pedrinha a partir do Sol, mergulhar na imensidão dos oceanos ou na maravilhosa geometria do nosso código genético. Tudo ao toque de seus dedos. Em qualquer lugar com qualquer dispositivo de acesso à internet. Por R$ 3 a hora, ao preço uma passagem de ônibus em São Paulo.

As gerações que vieram antes desta se viraram muito bem fazendo contas com os dedos, com ábacos ou com a ponta de um lápis. Ouvindo estórias contadas, lendo-as nas paredes, esculpidas em placas de barro, pintadas em papiros ou impressas em livros de papel. Pouco importou o meio, o conteúdo foi sempre o mais importante.

O que de mais importante que qualquer criança, assim como meu sobrinho Daniel, precisa, não é nem mais nem menos computadores, mas de mais e de melhores educadores. Dentro e fora de casa e das escolas.

Gente, e não coisas, que competente e amorosamente os oriente e os ajude a conhecer e a distinguir, entre todos os conteúdos e recursos que a tecnologia lhes oferece, os que colaborem positivamente para eles se tornarem verdadeiramente seres humanos.

Dan, este é presente do Tio CupaiOlo.
Feliz Aniversário, Gordinho! 

O Tio Cupaiolo também é Diretor e Consultor da PeopleSide.

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